Apresentação

 

Desde as copas das árvores

Abel Rodríguez e Aycoobo



A obra de Abel Rodríguez (La Chorrera, 1944 – Bogotá, 2025) e de seu filho Aycoobo (Wilson Rodríguez, La Chorrera, 1967) integra uma constelação criativa de artistas indígenas amazônicos que, nas últimas duas ou três décadas, transformaram as formas de entender e falar sobre o que chamamos de "arte contemporânea". Suas experiências e vocabulários visuais vêm de fora dos circuitos estabelecidos da arte ocidental e, por isso mesmo, desafiam as maneiras como as historiografias modernistas e de vanguarda menosprezaram as linguagens criativas dos povos e comunidades indígenas. O fato de as obras de Abel e Aycoobo terem hoje proeminência local e internacional reflete um processo de reestruturação dos critérios de valor e categorias que, ao longo do século XX, moldaram o mundo da arte sob parâmetros eurocêntricos e hierarquias de classe, raça e gênero.

 

Abel e Aycoobo não tiveram formação artística ou acadêmica formal. Ambos desenvolveram suas habilidades estéticas empiricamente, por meio da observação e de sua relação com a natureza, no seio de suas famílias e comunidades. Assim como o trabalho de outros importantes artistas indígenas amazônicos — como Sheroanawe Hakihiiwe (Yanomami) ou Santiago Yahuarcani (Huitoto) —, seus desenhos insistem em mostrar os laços de continuidade entre corpos, animais, plantas, território e mundos espirituais. Essas imagens são uma forma de reivindicar respeito por uma relação ecológica e por saberes que, no mundo ocidental, se perderam devido a modelos de vida baseados no consumo e na extração.

 

De origem Nonuya e criado numa comunidade Muinane, Abel aprendeu com seu tio a desenvolver uma relação afetiva e espiritual com as plantas da floresta tropical. Nos anos 1980, ao trabalhar como guia para pesquisadores da ONG Fundação Tropenbos Colômbia, iniciou um trabalho de identificação de plantas e seus usos, introduzindo novas perspectivas sobre como representar os conhecimentos guardados pela floresta. Nos anos 1990, já em Bogotá, começou a fazer desenhos botânicos a convite do biólogo Carlos Rodríguez. Suas imagens descreviam uma imensa variedade de plantas e seus usos medicinais, alimentícios e rituais, mas também mostravam as transformações do território, as árvores frutíferas ao redor das malocas e as histórias de origem do mundo em suas representações da Árvore da vida. Uma década depois, esses desenhos passaram a circular em exposições de arte contemporânea, muitas delas dedicadas à ecologia política, história natural e crise climática. Mas Abel nunca mudou sua forma de representar a floresta — sua participação no mundo da arte era incidental, pois o que suas imagens tinham a dizer vinha do coração da terra. Não é à toa que seus desenhos são povoados por copas de árvores que nos lembram da modesta escala humana.

 

Seu filho, Aycoobo, seguiu seus passos, levando a representação da natureza a outro patamar. Seus desenhos parecem tornar visível a energia compartilhada por animais, plantas e seres espirituais da floresta. Como paisagens encantadas, Aycoobo nos convida a ver o que só é perceptível se sairmos dos parâmetros da colonialidade. O artista cria representações sensuais em que troncos, raízes, peles de animais e elementos da paisagem formam um tecido vivo, cujos padrões e cores vibrantes nos lembram que existem outras dimensões do que chamamos de realidade.

 

Não surpreende que as obras de ambos ocupem hoje um lugar central nos debates sobre conservação de ecossistemas e a urgência de frear a destruição da Amazônia. Contudo, isso também é uma faca de dois gumes. Como destaca Candice Hopkins, curadora indígena de ascendência Carcross/Tagish, o interesse crescente pela arte indígena surge num momento em que a cultura e as ideologias ocidentais estão em crise — o que levou a um reconhecimento de como os saberes indígenas poderiam "salvar o planeta". Por outro lado, essa expectativa é problemática, pois transfere para as comunidades indígenas a responsabilidade pela defesa do planeta, apagando o fato de que são as lógicas extrativistas do Ocidente que impuseram um modelo de vida baseado no esgotamento dos recursos naturais.

 

As obras de Abel e Aycoobo revelam constelações de mundos visíveis e invisíveis que ainda resistem, apesar do desmatamento, do assassinato de líderes amazônicos e da privatização de terras. Embora frequentemente descritas como um alerta sobre o colapso ambiental atual, elas olham muito além do presente, convidando-nos a enxergar um passado mais profundo. Como observa a acadêmica Elizabeth Povinelli, o colapso ecológico não se restringe às últimas décadas (ou ao chamado Antropoceno), mas é uma catástrofe ancestral — um processo iniciado com a destruição e o despojo sofridos primeiro pelos povos indígenas e outros grupos colonizados.

 

Os desenhos de Abel e Aycoobo, em sua atemporalidade — na insistência em revisitar os mesmos cenários repetidamente —, propõem ainda outras formas de pensar o tempo. Eles celebram o equilíbrio, a complementaridade e a reciprocidade do mundo natural, reafirmando a existência de múltiplas formas de vida e consciência. Suas imagens são inventários afetivos do futuro, onde reinam visões plurais da existência.

 

Miguel A. López








Agradecimento: Instituto de Visión

 

Obras