BRISA NORONHA: TODOS OS CORPOS FRÁGEIS
Negociando a materialidade
Brisa Noronha testa a plasticidade de seus materiais. Porcelana, fio de latão, tinta a óleo, têmpera, sonhos e som não são submetidos a um conceito ou forma, mas libertos em sua dinâmica volitiva e transformados em acontecimentos. A artista, que também integra fotografia e vídeo digital em sua prática, segue as substâncias escolhidas enquanto as trabalha delicadamente com as mãos, deixando as ferramentas intocadas à margem. Dessa maneira, ela liberta o barro da roda de oleiro e da produção em série por moldes; a substância escolhida torna-se um material para esboçar e experimentar. Para Todos os corpos frágeis, ela construiu formas com porcelana branca — uma mistura densa e não porosa de caulim, feldspato e quartzo — e com fio de latão maleável em tons castanho-avermelhado e dourado. Noronha estende os gestos corporais no espaço, explorando intencionalmente as possibilidades de seus materiais. A porcelana não é tão terrosa e carnal quanto outros tipos de barro, mas registra impressões do corpo quando está úmida e maleável. Assim, essas estruturas delicadas e aparentemente frágeis adquirem forma material, compondo agrupamentos ou formações seriadas, por vezes ainda a caminho de se tornarem algo. Todos os componentes se engajam em um diálogo e negociação constantes entre si, na busca por um equilíbrio literalmente delicado, que pode ruir a qualquer momento.
As categorizações convencionais são frustradas e híbridos experimentais emergem: alguns componentes parecem ter sido casualmente deixados ali, criaturas do chão que quase desaparecem, enquanto teias de fio se erguem em voltas atrevidas; uma formação em coluna se eleva a alturas vertiginosas. Aqui, a gravidade pode ser uma jogadora decisiva, pois o solo duro sobre o qual esses elementos frágeis desdobram seus atos de equilíbrio ameaça destruir a leveza despretensiosa desses elementos brancos ao menor impacto. Um outro arranjo evoca bens industriais como vasos, embora também possam ser corais que cresceram organicamente durante décadas; há formas que buscam intimidade, que se protegem ou se sustentam mutuamente. Em outros pontos, o risco de destruição paira sobre discos suspensos do teto, flutuando no espaço. A porcelana já é, por si só, um material escorregadio: continua girando mesmo depois de moldada, e segue se deformando no forno. No entanto, o calor da queima a transforma em uma substância mais dura que o concreto. E ainda assim, Brisa Noronha deixa suas cerâmicas — muitas vezes de paredes finas — sem esmalte, ou seja, sem revestimento protetor. Delicadeza e resistência pertencem uma à outra, tornam-se possíveis mutuamente — um fato que a artista associa a esferas sociais codificadas como femininas. Esse aspecto é reforçado por uma instalação sonora: um loop com um tom grave contínuo, interrompido esporadicamente por cortes de fio, estalos de porcelana ou o rugido do forno. Dessa forma, o processo de produção se torna presente, e a instalação sugere que esses materiais podem ter vida própria.
E essa vida pode ser tão pouco espetacular. No cotidiano, a terra é geralmente tão naturalizada que mal impressiona nossa consciência; nos espaços urbanos, aparece nas ruas e praças diariamente na forma de sujeira. Mas o caulim — a argila branca — e os objetos feitos a partir de seus compostos estão historicamente ligados à indústria, à política de classes, ao comércio global e ao colonialismo. Há registros iniciais na China imperial, onde Marco Polo encontrou o material no século XIII. A partir do século XVI, esses artigos foram exportados para a Europa, onde por muito tempo alquimistas tentaram em vão imitar o “ouro branco”, até que, em 1708, um boticário em Dresden conseguiu replicar o processo. A substância chegou ao Brasil em navios portugueses nos primeiros anos da colonização. Mas o interesse de Brisa Noronha não reside na suposta pureza frequentemente atribuída à porcelana branca nesses contextos históricos, nem à porcelana ornamental e cara fabricada para cortes reais e casas nobres como substituto do marfim, do alabastro ou do mármore branco. A artista, que durante seu mestrado em Artes Visuais realizou uma pesquisa em colaboração com o Instituto de Física da Universidade de São Paulo — onde cientistas estudavam reações sonoquímicas — também é uma alquimista, que escuta seus materiais e constrói seu próprio atanor. As pistas estão nas estruturas cerâmicas que lembram tripés, formas pintadas bulbosas ou em forma de bastão, e na trilha sonora com seu zumbido de voltagem elétrica, o ligar e desligar do forno. Mas ela não está produzindo ouro nem a pedra filosofal, tampouco transmutando objetos em luz. Em sua prática artística, as coisas se abrem umas às outras, compõem agrupamentos que se espalham, formando uma complexa teia de relações.
Nesse sentido, as pinturas a óleo e têmpera sobre madeira, preparadas com cola de pele de coelho e gesso, servem como uma reflexão intermaterial. Seu impacto deriva de seus tons pastéis terrosos, pigmentos misturados com branco de titânio, como aplicações de esmalte de porcelana: essas imagens — alusões a sonhos, memórias ou fotografias da coleção da artista, às vezes com elementos opacos, às vezes com traços de pincel visíveis que deixam o fundo brilhar como pâte sur pâte — têm como motivos utensílios domésticos do cotidiano e os colocam em situações espaciais. Nesses quadros aparentemente surreais, a gravidade é suspensa, castiçais tornam-se abstrações gráficas, transformam-se em flores ou se espalham em forma de árvores ou tendas. Nada disso é decorativo. Trata-se de uma investigação de sistemas que sustentam a vida — e isso define toda a obra da artista. Mas assim como a argila branca, as camadas de tinta podem se tornar transparentes: as coisas correm o risco de desaparecer, se desvanecer ou pregar peças. Como em uma composição musical, ou no caos da evolução, há séries e variações a experimentar, as coisas se proliferam, algo quase acontece, estruturas se formam ou implodem.
Essa vida artística, no entanto, comporta muitos riscos. Os materiais de Noronha — assim como suas natura morta — ensinaram à artista lições sobre os limites físicos. A porcelana pode se tornar fina demais e desmoronar ou colapsar como um osso poroso. O caulim, especialmente por ser produto da erosão do feldspato, nos lembra que a argila é um repositório de coisas passadas e vestígios de civilizações. Além disso, todos os nossos corpos frágeis retornarão ao pó, à terra, ao barro. Mas isso não precisa ser motivo de luto. Na Alemanha, existe um antigo costume segundo o qual, na véspera do casamento, as pessoas se reúnem para o Polterabend, uma celebração em que a porcelana é quebrada coletivamente. Por meio desse ritual, os convivas expressam a esperança de que juntos os noivos superarão tempos difíceis. O estrondo espanta os demônios, traz boa sorte e simboliza o início de uma nova vida.
Petra Lange-Berndt