LEONOR ANTUNES: uma linha que fica entre
leonor antunes: compostos – tangentes – junções
Há algo deliberadamente ambíguo nas desarmonias e combinações improváveis de estruturas e materiais que Leonor Antunes cria. Em uma única instalação, ela reúne divisórias, peças suspensas, além de estruturas compostas que incorporam elementos conflitantes em uma única obra. Formas e elementos de formação – como um nó, uma dobra ou uma junção – se repetem e se proliferam pelo espaço. Frequentemente, é difícil conciliar esses pólos opostos na obra: um tende à desintegração ou separação; o outro, à integração e conexão. Sem o primeiro, os elementos que ela escolhe trabalhar a partir do léxico modernista não seriam transformados; sem o segundo, não haveria obra a ser apresentada. Mas o atrito está sempre presente, nunca se resolvendo facilmente para um lado ou para o outro. O todo é íntegro sem jamais ser completamente integrado. É como se quase todo elemento fosse hifenizado a outro, não apenas nas peças individuais, mas também nas instalações que ocupam todo o espaço da galeria. Com o tempo, isso se tornou uma prática cumulativa, com sua própria lógica interna e capacidade de retornar a si mesma, bem como de tomar tangentes e seguir em novas direções.
A obra de Antunes é frequentemente discutida em termos das figuras históricas que ela referencia – e, notadamente, da maneira como evoca e materializa uma série de mulheres artistas e designers que foram marginalizadas das histórias oficiais da arte. Isso é, sem dúvida, importante, mas eu diria que é apenas o ponto de partida da obra, e não o seu significado em si. Um dos gatilhos para sua exposição atual foi uma fotografia da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, mostrando uma obra de Sophie Taeuber-Arp exibida na parede atrás de dois trabalhadores limpando o chão. Sophie Taeuber tornou-se recentemente uma de suas interlocutoras, somando-se ao seu panteão imaginário que inclui Mira Schendel e Charlotte Perriand, além de muitas outras figuras menos conhecidas. Mas é igualmente importante notar que, em muitos de seus títulos, ela usa a palavra "discrepância", como em Discrepancies with M.S. Não apenas a referência é enigmática, quase como uma “nota para si mesma”, mas o senso de discrepância – quando dois conjuntos de fatos ou dados não coincidem e deixam algo sem explicação – é certamente fundamental para a obra. Não apenas na relação com figuras históricas individuais, mas também em relação às conexões e divisões transnacionais mais complexas dentro do projeto modernista, entendido não como algo monolítico, mas como fundamentalmente plural e "discrepante". O momento histórico representado pelas Bienais de São Paulo do início dos anos 1950 é precisamente esse ponto de inflexão dentro desse projeto.
O método aditivo de Antunes não reproduz narrativas históricas já existentes, mas explora possibilidades imaginárias e contrafactuais que muitas vezes se originam em seus silêncios e margens. Se, por um lado, há alusões explícitas a um detalhe do design de Charlotte Perriand para o apartamento de seu parceiro no Brasil em diversas obras recentes, estas são contrapostas a tiras de miçangas pendentes que evocam o léxico geométrico abstrato de Sophie Taeuber. Junta, a nova série de obras montadas na parede atuam umas sobre as outras para produzir algo muito mais estranho do que a soma de suas partes. Ou seja, seus elementos confundem tanto quanto se compõem.
É marcante que, nessas obras recentes, Antunes retorne à parede – uma superfície que ela já havia utilizado no passado, mas de forma bastante reduzida. Ao fazê-lo, ela torna a parede novamente estranha, como se fosse necessário que a escultura se afastasse para então retornar como um objeto diferente, alienando-se no processo. Afinal, as obras Sophie e Charlotte se prendem à parede como uma imagem poderia fazer, mas se comportam como um objeto composto, sustentadas por uma estrutura rígida de madeira, mas se projetando e desabando em uma cascata de tiras geométricas cromáticas.
A artista tem se debruçado há muito sobre uma linguagem da queda, como se o que lhe interessasse não fosse a “forma” na forma, algo que pode ser contido, mas aquilo que excede qualquer estrutura dada – como as pontas soltas que quase tocam ou tocam o chão a partir de uma peça suspensa. Construindo sobre uma história de esculturas suspensas, especialmente as táticas radicais dos Trepantes de Lygia Clark e dos Droguinhas de Mira Schendel, a obra de Antunes ativa, em escala dramática, a queda gravitacional de uma impressionante gama de materiais: de hastes metálicas, a cordas, tiras de couro e fiadas de miçangas. Como obras, parecem se formar por si mesmas, ao caírem e se organizarem em diferentes configurações. Esses acidentes e contingências são partes fundamentais do processo de Antunes – tanto quanto os elementos geométricos ou construtivos. Usando a técnica do trançado com miçangas, por exemplo, pequenos elementos triangulares se entregam à gravidade e ondulam de forma irregular – como se encapsulassem, em miniatura, uma mise-en-abyme.
Para o espectador, por mais esparsas que suas instalações possam ser, a sensação de estar envolto numa floresta de compridas tiras verticais de couro, aparentemente em queda livre, é o oposto do que tradicionalmente se chamaria de “escultura de pé”, situada no chão e projetada para cima. Para Antunes, por outro lado, o chão funciona de forma muito diferente e é ativado como parte da obra. O piso está longe de ser neutro e se mostra sutilmente material e maleável. Feito de linóleo, o piso de Antunes toma os elementos de uma pintura de Sophie Taeuber exibida na Bienal de 1951 e os reorganiza no chão. Um número de traduções está envolvido nesse processo: materiais, espaciais e também temporais. Mas uma das questões principais que Antunes revela é a relação íntima entre uma pintura modernista e uma planta arquitetônica. Pode-se ver a justaposição dessas diferentes posições de observação como outro tipo de efeito composto em ação na instalação, que acaba criando uma grande perturbação na percepção da escala das coisas no espaço. Transformar uma pintura em planta é uma tradução de certa ordem, mas que atravessa períodos de tempo e geografias de formas complexas.
Leonor Antunes já falou sobre seu interesse na ideia do parasitismo, como se a obra de arte estivesse sempre em uma espécie de relação parasitária com seus precedentes. Refletir sobre esse processo passa a ser parte do que a obra trata. Ao olharmos para a série de peças de parede Sophie e Charlotte, a sensação de dependência recíproca é particularmente contundente. Lembramo-nos das célebres fotografias dos Trepantes de Lygia Clark pendurados em árvores, assemelhando-se a plantas parasitas da floresta tropical. A ideia de que um organismo seja, ao mesmo tempo, uma entidade por si só e inteiramente dependente de outro – o que, em muitos contextos, seria uma contradição em termos – define a planta parasita, que desfoca categorizações e divisões tradicionais entre espécies. O prefixo “para” significa “ao lado de”, e a planta parasita está tanto presa ao seu hospedeiro, como a obra de arte se prende à parede, quanto contribui e depende de seu ecossistema mais amplo. De forma mais geral, Leonor Antunes gosta de operar nos espaços entre diferentes espécies, ao se apoiar e viver no espaço de outro, para produzir uma obra absolutamente sua. Dessa forma, ela anima seus precedentes históricos, assim como é animada e alimentada por suas histórias. Essa oscilação constante entre apego e desapego traz certa volatilidade às suas instalações em grande escala, mas também pode ser detectada na intrincada sutileza do menor nó ou junção em qualquer estrutura dada. Mesmo quando essas múltiplas fixações são bastante precárias e frouxas, ou quando ameaçam transbordar para além dos limites das estruturas compostas que supostamente mantêm coesas, elas são o estopim de todo o seu corpo de obra.
Briony Fer