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Lucia Nogueira
06 de outubro, 2020 — 23 de janeiro, 2021A Galeria Luisa Strina tem o prazer de apresentar uma mostra individual com desenhos e escultura inéditos no Brasil de Lucia Nogueira (1950-1998), artista brasileira que viveu em Londres dos anos 1970 até o final de sua vida. Ao longo de sua breve, mas notável carreira, Nogueira criou um potente corpo de trabalho multidisciplinar. Centrada principalmente em esculturas e instalações que se tornaram famosas pelo uso de materiais banais combinados de maneira única e assombrosamente precisa, sua trajetória é marcada pela prática constante do desenho. Segundo o curador da retrospectiva dedicada à artista no Museu Serralves, Adrian Searle, desenhos e esculturas/instalações são inseparáveis na obra de Nogueira, dada a natureza tátil e o sentido corporal – “strong sense of self”, como Searle o denomina – que definem o seu temperamento artístico.
Organizada em colaboração com a Anthony Reynolds Gallery, Londres, esta exposição apresenta uma importante série que não integrou as retrospectivas realizadas após a morte prematura da artista [Drawing Room, Londres, 2005; Museu Serralves, Porto, 2007; Kettle’s Yard, Cambridge, 2011]: Inferno – Divine Comedy (1983), composta de 14 desenhos feitos com lápis, carvão e aquarela, que retrata a visão bastante particular da autora sobre um tema que mobilizou artistas ao longo da história, de Botticelli, Michelangelo, Delacroix, William Blake e Gustave Doré, até Rodin, Dalí, Robert Rauschenberg e Alfredo Jaar. Na versão de Nogueira, identificamos a Fortuna girando sua roda, o barco que conduz Dante e Virgílio na descida ao Inferno, tão etéreo e autocontido, em oposição ao romantismo encarnado e envolto em escuridão da Barca de Dante (1822) de Delacroix, vemos os tormentos da alma, e um cão cérbero mais minimalista e ambíguo do que o Cerberus (1824-1827) da ilustração de William Blake para a Divina Comédia.
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Inferno Divine Comedy
1983mais detalheslápis, carvão e aquarela sobre papel
14 partes : 27 x 37 | 40 x 30 cm
De acordo com Alberto Manguel, quase todos os livros de Dante foram escritos no exílio, em casas que ele nunca poderia considerar suas porque não estavam em sua Florença. “O início de seu poema revela o duplo vínculo: ‘Aqui começa a Commedia de Dante Alighieri, florentino de nacionalidade, não de moral’. Sem dúvida, seus anfitriões – Cangrande, Guido Novello e os outros – foram gentis com ele e proporcionaram-lhe quartos confortáveis e conversas inteligentes, mas o lar era sempre em outro lugar, o lugar de ausência. Banido de Florença, ele deve ter sentido que o portão da cidade poderia ter sido uma paródia do portão do Inferno: sua mensagem não seria ‘Abandone toda esperança você que entrar’, mas ‘Abandone toda esperança você que sair’. E, no entanto, Dante foi incapaz de perder todas as esperanças de voltar para casa”, escreve o autor argentino, exímio leitor de imagens e de textos.
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Talvez Nogueira se identificasse com Dante. Ela chegou ao Reino Unido vinda dos Estados Unidos em 1975, aos 25 anos. Recém-chegada ao país, viu-se entre duas culturas. Sobre as lacunas e o deslocamento provocados pela opção de deixar um lugar, a artista afirmou: “Há uma conexão ali; não só com o lugar onde você se encontra, mas também com o lugar de onde você vem – porque se você saiu não resolveu as coisas lá, não é? Então você está no meio. Eu acho que é muito saudável ser assim”.
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Sem título
1988mais detalhescorda, bronze
4 x 100 x 60 cm aprox.
“A obra de Lúcia Nogueira é única na forma como transforma os objetos que utiliza e realoca, nas situações sensoriais com que desafia a inteligência perspetiva do espectador, na violência íntima que manifesta, na singularidade do seu imaginário, na instensidade alcançada por meio de ações raras, na gloriosa hesitação criativa com que enfrenta seus conflitos e dúvidas”. [João Fernandez]
"...a dicotomia permanente expressa nas divisões culturais de minha formação é clara na localização da maior parte do meu trabalho na fronteira entre uma condição e outra." [Lucia Nogueira]
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Segundo Gabriel Pérez-Barreiro, que dedicou à artista uma sala especial na 33ª Bienal de São Paulo (2018), defendendo que se pudesse criar dali em diante uma nova relação com a história da arte brasileira recente, “em suas obras, a artista usa objetos cotidianos para criar uma sensação inquietante de suspensão e estranheza. Ao combinar e confrontar móveis, engradados, tubos plásticos e vidros, provoca diálogos misteriosos e envolventes, que parecem oferecer mais perguntas que respostas. Como brasileira radicada em Londres, ela fala da noção de deslocamento e dos questionamentos que resultam de viver em uma cultura diferente, situação em que o cotidiano e o óbvio podem se tornar desconcertantes. Talvez por ser uma consequência desse deslocamento, a língua é uma referência central em seus trabalhos; os títulos em inglês geralmente jogam com duplos sentidos e com as idiossincrasias dos termos gramaticais da língua”.
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outros trabalhos
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sobre a artista
Lucia Nogueira estudou Jornalismo e Comunicação em Brasília e fotografia em Washington, D.C. Em 1975 ela visitou Londres, onde moraria e trabalharia pelo resto de sua vida. Ela estudou pintura primeiro no Chelsea College of Art (1976-1979) e depois na Central School of Art and Design (1979-1980). Recebeu uma bolsa-residência da Fondation Cartier em Versalhes, em 1993, e foi vencedora do prémio da Fundação Paul Hamlyn, em 1996. Uma exposição retrospectiva do trabalho de Nogueira foi apresentada no Museu Serralves no Porto, Portugal, em 2007, e foi apresentada uma seleção especial na 33ª Bienal de São Paulo, em 2018. Seus trabalhos estão em coleções como as da Tate, Londres, Reino Unido; Arts Council England, UK; Galeria de Arte de Leeds City, Reino Unido; Fundação Henry Moore, Reino Unido; Museu Serralves, Portugal; Museu Calouste Gulbenkian, Portugal; Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), Espanha, entre outras.