FARTURA

Adriano Costa

Allan Gandhi

Alexandre da Cunha

Alfredo Jaar

Ana Clara Tito

Anna Livia Taborda Monahan

Ana Mazzei

Arorá

Cildo Meireles

Cipriano

Dan Coopey

Darks Miranda

Felipe Seixas

Gabriel Branco

Hiram Latorre

Iagor Peres

Juliana dos Santos

Juliana Frontin

Marepe

Marina Borges

Palma

Paulo Nazareth

Pedro Wirz

Rodolpho Parigi

Tonico Lemos Auad

A coletiva Fartura reúne trabalhos de mais de vinte artistas em diálogo com uma pintura homônima de Marepe. Nesta obra, realizada em 2024, o artista retrata uma figura humana com três pares de braços sentada ao lado de uma cesta cheia de frutos; os mesmos que se espalham pelo chão, nos galhos da árvore que se insinuam no canto esquerdo da tela e nas múltiplas mãos dessa “Shiva” em postura de lótus. 

A escolha dessa pintura em particular como ponto de partida para reunir uma multiplicidade de obras de artistas contemporâneos em diferentes momentos de sua trajetória e com pesquisas que apontam para caminhos muito distintos se deve, sobretudo, à uma ideia de abundância que caracteriza o próprio fazer de Marepe desde o início de sua carreira, na década de 1990, até o presente. Embora sua produção pictórica seja menos conhecida que suas esculturas e instalações, é algo que esteve sempre presente em sua obra e que hoje, com distância crítica do conceitualismo dominante de trinta anos atrás, merece ser reavaliada. É ainda, um mote para pensarmos, no momento atual, qual o significado da ideia de fartura, numa tentativa de distingui-la da noção de acúmulo e crescimento que domina há séculos as sociedades ocidentais e que vem se tornando cada vez mais insustentável. 

Na contramão daquilo que os artistas de sua geração se sentiam compelidos a fazer, Marepe ingressou num circuito artístico da virada do milênio que se tornava cada vez mais internacional, porém nunca viu necessidade de se relocar para nenhum grande centro urbano para continuar produzindo. Ao longo de mais de trinta anos, ele permanece em Santo Antônio de Jesus, um município no Recôncavo Baiano localizado a cerca de 200 km de Salvador, com uma população de pouco mais de cem mil habitantes. É ali, em meio às histórias de família e à cultura material local, que encontra a matéria-prima de uma produção enraizada nas premissas duchampianas e que ao mesmo tempo inclui ecos do Surrealismo, da Arte Povera, da Arte Conceitual - tudo isso filtrado desde Santo Antônio de Jesus. 

Consciente de seu lugar de origem — diametralmente distinto da Paris ou da Nova York de Duchamp —, Marepe batiza suas versões do readymade de necéssaires, assemblages de objetos de uma indústria (ou até mesmo pré-indústria) que supre as necessidades básicas de populações que têm acesso apenas aos itens básicos da sociedade de consumo. E, no entanto, como aponta acertadamente Ricardo Sardenberg em texto inédito: “Se sua poética fala do Brasil profundo, é porque emerge desse solo, mas sem jamais reduzi-lo a um dado etnográfico”. Talvez a razão pela qual a obra de Marepe transcenda possíveis categorizações reducionistas seja justamente a distância dos modismos e lugares comuns ditados em grande parte pelo mercado que é muito mais intensamente sentido nas chamadas capitais culturais. 

Na condição de observadora próxima da produção do artista nos últimos três anos, Marepe sempre me surpreende. Sem reverência a nenhum estilo ou tendência em particular, ele aparece um dia com radiadores rabiscados, noutro com uma grande escultura de escadas em forma de estrela, ou desenhos e pinturas que misturam figuras humanas e símbolos que parecem fazer sentido dentro de uma lógica ao mesmo tempo própria e universal. Sua invejável necessidade de invenção é incessante, resultando numa produção abundante e multifacetada que encontra ecos nas obras que reunimos aqui. 

Esta exposição foi concebida colaborativamente pelos membros da equipe da Luisa Strina com o intuito de trazer um pouco da diversidade de práticas e perspectivas de novas gerações de artistas. Marepe reverbera na materialidade de artistas como Adriano Costa, Ana Clara Tito, Felipe Seixas, Paulo Nazareth e Pedro Wirz; seus icônicos Embutidinhos (2001) são refletidos no biombo assinado pelo duo Palma; seu Sangue de novela (2004), na poça de sangue de Marina Borges; o surrealismo de suas figuras em Allan Gandhi, Anna Livia Taborda Monahan, Darks Miranda, Iagor Peres e Rodolpho Parigi; a imagem do ovo, recorrente em várias obras pictóricas de Marepe, é trazida por Cildo Meireles, Dan Coopey e Pedro Wirz; a abundância da flora em Hiram Latorre e Juliana dos Santos; o bling como fartura está presente tanto nas fotografias de Gabriel Branco como na pá de lixeiro dourada de Alexandre da Cunha, que eleva a ferramenta de um trabalho considerado menor a objeto de valor; a contradição entre fartura e escassez impressa nos corpos dos trabalhadores que nos anos 1980 buscaram a prosperidade em Serra Pelada, registrada por Alfredo Jaar em imagens históricas, ecoa em ideias sobre excesso e escassez — desta vez como materialidade — nas obras de Arorá e Juliana Frontin. Por fim, as casas multiplicadas de Tonico Lemos Auad reforçam o sentido subversivo da permanência de Marepe em sua cidade natal ou, citando Sardenberg novamente, seu “sedentarismo radical”.

Kiki Mazzucchelli